A vez do queijo

Ao se analisar o mercado de leite no Brasil, é comum a separação dos blocos “produtor”, “indústria” e “varejo”. Porém, essa análise bastante agregada nem sempre é a melhor maneira de analisar os preços e margens em cada elo. Um produtor de leite de, digamos, 5.000 litros, com constância e qualidade, em uma bacia leiteira onde há grande competição, está em um negócio totalmente diferente de um produtor de 100 litros diários, com problemas de qualidade e localizado em uma bacia onde há poucos compradores, ainda que os movimentos de mercado afetem logicamente a ambos.

No caso da indústria, algo semelhante ocorre. Uma indústria que possui produtos de alto valor agregado e marcas fortes estará competindo em um mercado bastante distinto de uma indústria focada no segmento de commodities. Mesmo no caso dos principais derivados do leite, há uma diferenciação relevante; nem sempre os principais produtos se comportam de maneira semelhante. A tônica deste artigo é justamente comparar os principais produtos – leite UHT, queijos e leite em pó, tendo como base o leite ao produtor, em relação ao comportamento dos últimos 3 anos.

O gráfico 1 mostra a evolução dos preços no atacado e ao produtor, desde janeiro de 2007, corrigidos pelo IGP-DI. Janeiro de 2007 marcou o início da elevação das cotações externas e o aumento da volatilidade (na verdade, isso ocorreu alguns meses antes, mas há um intervalo de tempo até que os efeitos fossem sentidos por aqui). Note que, no caso de leite em pó, só temos os dados disponíveis até junho, o que prejudica a análise até o final de 2010. De qualquer forma, o pó não variou tanto após esta data, de forma que um eventual prolongamento do último registro não incorreria em erro tão significativo.

Percebe-se, pelo gráfico, refletindo os preços corrigidos pela inflação, que a variação de preços é significativa e que, no geral, os derivados têm tido picos mais altos do que o preço ao produtor, assim como vales mais baixos. O pó teve seu momento melhor em 2007, seguindo as fortes altas do mercado mundial e quando a oferta desse produto era menor no país. Com o investimento em novas fábricas, na expectativa de um novo patamar de mercado que, durante 2008, 2009 e parte de 2010 não se tornou realidade, aliado a um câmbio continuamente desfavorável, a oferta interna cresceu e, com ela, o espaço para elevações na cotação do leite em pó foi bastante reduzido. O período pior, contudo, envolveu o final de 2008, 2009 inteiro e uma parte de 2010, trazendo dificuldades para o segmento.

Queijos e longa vida tiveram comportamento muito semelhante entre si ao longo do tempo, exceto a partir de março de 2010, quando o segmento queijeiro descolou do UHT, apresentando forte elevação e terminando o ano com valores quase 30% mais altos do que em janeiro de 2007, em valor real.

Ao final de 2010, o leite UHT reportava um aumento menor do que o preço ao produtor. Na média do período até novembro de 2010, os valores são: 124 para queijos, 116 para UHT e 122 para o produtor. Pó, com base até junho, apresentou o valor de 122.

Nota-se, ainda no gráfico 1, que o movimento nos preços ao produtor guarda uma defasagem de 1 a 2 meses em relação ao comportamento do leite UHT, principal determinante dos preços ao produtor nos últimos anos.

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Mas a análise pura e simples dos preços não conta toda a história em relação à atratividade dos segmentos. Dentro disso, procuramos analisar a margem bruta de cada derivado, subtraindo do valor médio do atacado o custo da matéria-prima a cada mês, aplicando logicamente o rendimento industrial médio necessário para a produção de cada um dos derivados (utilizou-se 9 para 1 para queijos e 8,2 para leite em pó). Por fim, deflacionamos para permitir a comparação no tempo e indexamos novamente em base 100-janeiro de 2007, para permitir a comparação entre os produtos.

Uma maneira de explicar essa informação é o quanto sobra para a indústria após pagar a matéria-prima, que é o principal e mais variável custo nos produtos mais comoditizados. Desta forma, é um indicador da rentabilidade de cada segmento, sempre lembrando que outros itens de custo podem ter variado no período, de forma que se trata de um indicador e não da rentabilidade real do setor.

O gráfico 2 traz estes dados.

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Em linhas gerais, o comportamento já verificado no gráfico 1 se repetiu aqui, porém em maior intensidade. A média do período até junho de 2010 indica valores próximos na margem bruta do UHT, do pó e do queijo, com alguma desvantagem para o UHT: 112, 122 e 126. Já os dados referentes a 2010 mostram a mudança de patamar do segmento de queijos, cuja margem relativa foi 46% maior do que a de janeiro de 2007, contra apenas 107 do segmento UHT.

Certamente, além do segmento de iogurtes, não analisado, o aumento de renda das classes C, D e E tem exercido no segmento de queijos seu efeito mais pronunciado. Alguns dados indicam aumento de 16% nas vendas em 2010. Os dados da Pesquisa do Orçamento Familiar de 2008/09, do IBGE, mostram claramente o efeito renda no consumo de queijo das famílias, como pode ser visto no gráfico 3. O gasto mensal em R$ aumenta quase 18 vezes ao se comparar a faixa mais baixa com a mais alta. Considerando que a renda deve continuar a crescer, principalmente nos segmentos mais baixos da pirâmide, o futuro do consumo de queijos no país é bastante promissor.

Para efeito de comparação, o gráfico 4 traz os dados da POF 2008/09 relativos ao leite em pó. Percebe-se que, à exceção da faixa de renda mais alta, que representa muito pouco da população, o consumo familiar pouco varia com o aumento da renda. O consumo de leite em pó pode aumentar indiretamente, através dos diversos usos na indústria de alimentação e no food service, mas mesmo assim o potencial de consumo é bem inferior ao esperado para os queijos (e iogurtes). Assim, se não houver competitividade para exportação, novos investimentos em plantas de secagem são difíceis de se justificar.

O ano de 2010 parece sinalizar um novo momento para o setor de queijos em relação a potencial de crescimento. No entanto, há que se fazer algumas ressalvas. A primeira é que, dada a elasticidade-renda, a taxa de crescimento do mercado depende fundamentalmente da continuidade do crescimento da renda per capita. Ainda que, no longo prazo, pouca gente duvide dessa tendência, no curto prazo podem haver períodos menos atraentes. O novo governo iniciou um ciclo de alta dos juros, por exemplo, que pode afetar o consumo e, nesse caso, produtos como queijos e iogurtes tendem a ser mais afetados do que leite, por exemplo.

A segunda é que, acompanhando a elevação do consumo, tivemos importações recordes de queijo em dezembro: 5.000 toneladas, quase a totalidade proveniente do Mercosul, que nesse momento negocia com a Europa acordo comercial envolvendo lácteos. Vale lembrar que é no segmento de queijos que a Europa deposita suas principais esperanças de ser competitiva no cenário global de lácteos. Desta forma, tanto os eventuais acordos intra-Mercosul como os deste com outros players revestem-se de importância crescente no que se refere ao desenvolvimento da indústria queijeira.

O terceiro e último aspecto é que, com as expectativas de crescimento, virá o capital. Não será surpresa – pelo contrário – se os investimentos neste segmento vierem a crescer nos próximos anos, atraindo inclusive novas empresas para o mercado, o que representa oportunidades para os mais preparados e, de outro lado, ameaças para os que estão apenas focados no bônus proporcionado pelo presente.

Associação das Pequenas e
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